quarta-feira, 20 de maio de 2009

Somos todos cegos...

Habitualmente faço uso de alguma ironia. É apenas uma forma de me defender da, cada vez mais insuportável, sensação de vómito que me domina quando olho para a imprensa. É verdade que eles apenas reproduzem o que vai acontecendo. E o que vai acontecendo deveria ser, em nome de príncipios higiénicos indeclináveis, irreproduzível.
Quanto mais caminho em direcção ao fim, mais me convenço de que o bicho-homem não vai nunca ser capaz de se "auto-afinar"!
Se é que alguma vez o tentou, desisitiu completamente de procurar manter uma postura que estivesse em linha com o equílibrio que a natureza promove a todo o momento.
Vem isto a propósito de algo que hoje me ocorreu e a que já tenho feito referência em rodas de amigos.
As maiores lições de vida que "engoli", vieram do lugar mais improvável. Do mundo animal. Mais própriamente das "n" visitas que fiz ao Kruger Park e a outros nas redondezas. Vivi para aquelas bandas durante algum tempo e era quase obrigatório levar os amigos que, por vezes, caíam aos trambolhões naquelas latitudes.
Apenas dois exemplos que ilustram, muito gráficamente, o que quero dizer.
6h da madrugada. Hora do "pequeno-almoço" dos grandes felinos. É arrepiante assistir-se à natureza em movimento a 10 metros de distância!
Grupo de leoas tinha acabado de "garfar" uma pobre impala. Animal cujo destino parece ser só esse. Um ruído de fazer eriçar os pêlos, sinaliza a separação física do animal em duas partes. Momento de chegar o leão alfa para reclamar a sua parte. Todos se afastam para que escolha a parte que mais lhe interessa. Todos, menos um leão jovem que entendeu por bem fazer-lhe frente e "dizer" de sua justiça!! Nem acabou a "frase"!! O mais impressionante rugido que até hoje ouvi, pô-lo em sentido...e a mim também!
Tomou o jovem leão conhecimento ( e eu também! ) de que as hierarquias são para ser respeitadas, em todas as circunstâncias. A ordem de precedências é algo de imutável sob pena de se cair no completo "esfrangalhamento" daquilo que levou milhares de anos a ser contruído. O respeito pela ordem social.
No mesmo sentido e numa outra ocasião, parei o carro a umas dezenas de metros de um grupo de babuínos que, à sombra de uma acácia, se protegia de um sol inclemente. Era notória uma agitação anormal num dos elementos machos. Não assisti ao que se tinha passado antes. Assisti sim, ao momento em que foi escorraçado do grupo. Dobrado sobre si próprio, como se carregasse todo o peso do mundo em cima dos ombros. O ar triste de alguém ( a palavra é propositada ) que, de repente, se viu condenado à solidão mais agreste. Disse-me posteriormente um "ranger" local, que essas situações estão sempre relacionadas com tentativas de alteração da ordem instituída. E mais. Nestes casos, a natureza como que lhes põe uma "marca química" que os faz serem rejeitados por quaisquer outros grupos, mesmo que ocupem territórios a centenas de kilómetros do local dos acontecimentos. Nesse momento entendi a postura do babuíno. Caminhava para a morte. Porque naquele mundo, o isolamento significa a morte. Essa imagem nunca me saiu da cabeça!
Como tudo fica virado do avesso quando, de permeio, aparece uma coisa que se chama "inteligência"... o instinto é tão mais inteligente!!
Presenciar momentos destes é um privilégio. É um exercício de auto-reconciliação. E, de caminho, reconcilia-nos com o que nos envolve.
Não temos nada a inventar. As lições de e da vida, estão todas na natureza. Basta querermos olhar.
Nunca o fizèmos. O resultado está à vista.
Os animais, na realidade, somos nós.