sexta-feira, 5 de março de 2010

A deliquescência do ser.

Sinceramente, cheguei ao limite.
A língua portuguesa, embora riquíssima, começa a ficar manifestamente falha de adjectivos, capazes de classificar a inanidade em que transformámos este lugar.
Para onde quer que se olhe, apenas se entrevêem formas de vida, mais ou menos rastejantes.
Um presidente que não "presidenta", um governo que não "governa", um parlamento que não "parlamenta", uma oposição que não "oposiciona" e mais tudo o resto que o é mas não o faz. Em redor de tudo isto, um povo que mais parece um amontoado de inertes, atirado para um qualquer aterro da vida.
Estou a meio da década dos 50. Já fiz, portanto, "algum caminho". Já me cruzei com muitas coisas boas. Da mesma forma que já tropecei em muita merda.
Já gargalhei, já sorri, já chorei, já lamentei, já amei, já desamei, já senti, já aceitei, já repeli, já olhei sem ver, já vi sem olhar, já fui, já vim. Numa palavra, já vivi. E depressa, porque havia muito para ver e fazer.
Provavelmente, foi necessário chegar a esta idade para perceber aquela pressa, em toda a sua plenitude. Se calhar já intuía que, pelo cair da folha, me iria tocar "viver" um período desta natureza. Há muito que deixei de ter "pena" da minha geração, daquela que vem atrás de mim e da que me precedeu. A dura realidade encarrega-se de responder ao porquê.
Uma geração que aos vinte anos é truncada pelas "trombetas de Abril", só podia produzir o lixo que produziu. Quem tiver menos de 50 anos, muito dificílmente captará o sentido profundo desta asserção. E mesmo assim...
Vicente Jorge Silva, um dia, referiu-se a uma qualquer geração rasca.
Tinha razão. Mas estava desfazado no tempo. As gerações rascas foram a dele, a minha e a que me segue.
Três gerações de merda que criaram as condições para que uma criança de 12 anos, tivesse dito, basta!
É o manto da vergonha a cair sobre o que resta das nossas existências.
Tudo o que nos possa acontecer, será pouco.