sábado, 6 de março de 2010

Há dias assim...

...em que relembramos que somos, simultâneamente, o ponto de partida e o ponto de chegada. E essa lembrança (re)centra-nos, (auto)reconcilia-nos e liberta-nos a respiração.
Deixa-nos viver. Deixa-nos olhar e ver.


"Numa bela tarde de Primavera, um mestre zen volta duma caminhada. O tempo está delicioso, nem quente nem frio, um tempo de equilíbrio e de encanto com o qual a alma, espontâneamente, se harmoniza. Sopra uma ligeira brisa e, chegando ao portão do mosteiro, o mestre constata que o estandarte com a efígie do Buda ondula docemente ao vento. Dois jovens noviços estão plantados diante dele.

- É o estandarte que se agita!
- Não, é o vento!
- Segundo a boa doutrina, o que importa é o que vemos diante de nós agora. E é o estandarte, ele agita-se!
- De maneira nenhuma, a tua visão está errada, porque a agitação do estandarte não é senão consequência do vento, é ele a causa primeira, a realidade para além da aparência.
- Mas a existência do vento é uma hipótese!
- O estandarte não se agita sem motivo, a sua realidade é constitutiva do vento!
- Pura especulação!
- Evidência!
- Não, de maneira nenhuma!
- Mas sim.

Os dois monges exaltam-se, o que não passava de uma tranquila conversa torna-se numa disputa, uma batalha. Pouco falta para que se batam. É então que avistam o mestre do templo, que os olha impassível. Um pouco confusos, apelam para ele:

- Mestre, é o estandarte que se agita, é o vento?
- Não é o estandarte, não é o vento, é o vosso espírito que se agita."

(Os melhores contos Zen)