sábado, 7 de agosto de 2010

Que Régio me desculpe mas...sei que fui por aí!


Um qualquer sábado chuvoso e de um frio agreste, era eu já dono de uns "robustos" dezoito anos, resolvi cair da cama e fazer algo pela minha sanidade mental. Dar um salto ao Flea Market, num sábado. Coisa impensável para quem vivia a 150m do local. Os sábados de Portobello são de fugir! É o lugar para onde se despeja o mundo. É um dos lugares onde não se deve estar!

Mas sabia o que queria. E seria rápido. Por entre as "paellas", os "sweats" estampados e os restos de equipamento militar da II Guerra, havia uns "gargalhos" que montavam bancas de paper backs em 65ª mão e atados em grupos de 6. O famoso, "50p the half-dozen"..."pick one"...

O primeiro livro era sempre o chamariz. E, nunca por nunca, deixavam espreitar os restantes. Tal como não vendiam mais de um lote por pessoa. Trouxe um desses "amontoados" que era capeado pelo "The Unnamable" de Beckett. Ainda hoje, sou o vaidoso proprietário dessa pérola inesquecível! Pelo meio, jazia uma qualquer edição do título que encima este escrevinhanço. Este, pelo contrário, perdeu-se por entre a bruma de alguma memória menos conseguida...

Lembro-me de o ter lido no fim de semana seguinte, em Mevagissey. Não vou repetir a história, porque já está por aí! Não o referi então mas o verdadeiro gatilho foi, justamente, a louca (será?) aventura de Kerouac. Menos de 300 páginas que foram devoradas em pouco mais de 24h. E parti, definitivamente, rumo à vida.

Quase 40 anos depois, sou confrontado, de novo, com o mesmo livro, cortesia de alguém que consegue a proeza de ser mais vadio do que pai e o avô, juntos! O meu próprio filho. Que não conhecia a "história" que estava por detràs daquele livro. Intuiu, tão só! Coisas que não se explicam e que só Nova Iorque consegue injectar...

Levei um mês a re-percorrê-lo. Ou melhor, a saborear cada palavra, cada situação, cada decisão, cada olhar, cada ilusão, cada desilusão, cada ida, cada vinda, cada pergunta, cada resposta. Enquanto o (re)lia, senti-me a passar demoradamente diante de um espelho que reflectia exactamente aquilo que eu queria que reflectisse. A vida vivida. Bem e/ou mal...mas intensamente vivida! Coisa que poucos ousaram fazer. E isso, já nenhum ser vivo me pode roubar.

"On the Road", foi escrito tal como poderia ter sido conversado. À lareira ou sob o luar, lavando as mágoas e o seu contrário, com um bom tinto! Um tinto capaz de empurrar as palavras. Aquelas que denunciam as vivências sem apuros literários. Sem disfarces. Tal qual o são. Duras, cruas e devidamente relativizadas. Que nos ensinaram...quantas vezes doendo!

JK, estejas tu onde estiveres, obrigado por teres feito parte do meu percurso. Melhor, por teres sido o gatilho desse percurso. Só por isso, prometo regressar a Portobello um destes sábados. Se calhar até vou gostar!...